PORTIMÃO-MAPUTO-PORTIMÃO

António Cabrita e João B. Ventura

«Meu caro,
talvez a nossa época esteja dominada por um elemento chave que Baudelaire reflectiu nos dois últimos versos de um poema, vê lá tu, chamado “A Viagem”: “Mergulhar no abismo, Inferno ou Céu – que importa? –,/ E no Desconhecido para achar o novo!” Mas creio pouco saudável este relativismo-sem-fundo, da mesma forma que poderemos gratamente dispensar outras inclinações da época como a ”afición” pela entomologia e os pântanos. De igual, este retorno ao acirrado das identidades e dos nacionalismos merecem-nos todas as reservas, ou melhor, todo o repúdio. Eu, na minha campa, levarei comigo pelo menos três livros do Michaux e um do Lorca…

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A VIAGEM: UMA CARTOGRAFIA DAS MIRAGENS

Paulo José Miranda

PARTA-SE DO PRINCÍPIO de que viajar é sair do lugar onde se está usualmente ou do lugar a que se pertence. Assim, fulano viaja para, de «A» para «B», sendo «A» a casa, o bairro, a cidade, o país onde vive, e «B» o lugar aonde vai. Por conseguinte, a viagem pressupõe sempre um regresso. Parte-se de «A» para «B», mas tem de se regressar de «B» para «A». Acaso fulano ficasse em «B», chamar-se-ia a isso «mudança» e não viagem. A viagem é uma mudança, mas por um curto espaço de tempo.

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ASTROFUGA

Luís Filipe Sarmento

DEPOIS DE TER CAMA CONFORTÁVEL, DEIXEI DE TER sequer, por um dos infinitos acasos que, como um puzzle, constitui o processo caótico de estar vivo entre mortos e vivos, um colchão, mas sim um velho sofá de arrecadação, espremido ao meio sabe-se lá por quantas aventuras clandestinas de jovens fogosos ou de velhos católicos dados à intriga de deus e dos sexos angelicais.

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A UM ZEUS DESCONHECIDO

Carlos Alberto Osório

NA DOCA DOS SUBMARINOS, às 13h30, hora de Lisboa, embarca rumo a Orão, porto argelino, a bordo de um Zeus feito cargueiro, para só voltar um dia, num Dão, à terra que não se vê do mar e que o viu nascer 65 anos antes. Naquela fria tarde de 17 de dezembro de 1925 aquecem-lhe o momento da despedida os amigos João de Barros

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O EXILADO DE BOUGIE

Norberto Lopes

Norberto Lopes, jornalista do Diário de Lisboa, visitou Manuel Teixeira Gomes, em Bougie, em 1939. Da conversa intimista que mantiveram durante dois dias resultou a obra O Exilado de Bougie, da qual transcrevemos um excerto do Prefácio, publicada em 1941, ano da morte do Presidente que elevou a sua terra – Vila Nova de Portimão – a cidade, em 11 de Dezembro de 1924.

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VENEZA. MURMÚRIOS DE ÁGUA

João B. Ventura

VENEZA TEM O PRIVILÉGIO DE PARECER sempre a mesma e ao mesmo tempo diferente. Porque Veneza é um lugar irreal, melhor dizer surreal, a representação de um sonho antigo que se oferece sem vacilação ao visitante na sua mais exacta metáfora: um labirinto de espelhos.

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UCRÂNIA DEVASTADA

João Porfírio

O ANJO SILENCIOSO, ASSIM SE CHAMAVA O ROMANCE de Heinrich Böll, escrito no limiar dos anos quarenta, que descrevia o pulmão arruinado das cidades alemãs bombardeadas, na Segunda Guerra.

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WALTER BENJAMIN: O HOMEM QUE CAMINHA AO SOL

Maria João Cantinho

É ASSIM QUE COMEÇA o texto «Ao Sol», que integra a obra onde podemos encontrar mais testemunhos da passagem de Walter Benjamin pela ilha de Ibiza, onde esteve por duas vezes: em 1932 (de 19 de Abril a 17 de Julho) e em 1933 (entre Julho e Setembro), a preparar aquele que seria já o seu exílio definitivo

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VIAGEM DE BICICLETA PELO GRANDE SERTÃO

Makely Ka

ALGUNS ANOS ATRÁS PARTI numa viagem exploratória pela região do sertão mineiro, saindo da zona metropolitana de Belo Horizonte, a capital do Estado de Minas Gerais, rumo à Bahia, seguindo o fluxo do Rio São Francisco, com a intenção de realizar um trabalho de campo, conhecer a região e recolher material para um disco e uma exposição fotográfica.

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A SETA APONTADA AO CORAÇÃO

António Cabrita

O PESADUME. HÁ PALAVRAS QUE POR SI ESCALPELIZAM a polpa de qualquer itinerário. É o caso desta palavra em desuso: pesadume. Foi para aliviar o pesadume, a acrimónia, que, oito anos depois do projecto ter sido concebido nos desertos centrais da Austrália, Marina Abramovic e Ulay encetaram

A IDADE DE PLANCK

D.H. Machado

Na origem do tempo tudo o que era,
Ocupando todo o espaço imaginável,
Era ainda invisível ao olhar comum.
O tempo tinha em si apenas a ideia de tempo, E toda a sucessão de acontecimentos

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ROBINSON

Pedro Teixeira Neves

TÃO SEM SABER. UM QUANTO DE MEDO QUANTO DE ESTRANHEZA. Tudo em volta por ordenar, imerso num sem-sentido. Apenas o desarticulado das certezas, se as houvera. Desagregado corpo de ler o real, este informe, baço, verniz-lhaneza. Nada mais sabendo, só me restava o começar a viagem, cada passo sem rumo definido. É sempre o caminho o que mais conta; conto:

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UM CABALLITO DE TEQUILA

João B. Ventura

LEMBRO-ME DE HÁ UNS ANOS ir a caminho de Taxco pela estrada que sobe desde a cidade do México e, depois, se inclina para Cuernavaca, a cidade que em Debaixo do vulcão dá pelo nome de Quauhnahuac e onde nos habituámos a ver desesperar Malcolm Lowry.

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SABORES PERDIDOS

Carmen Yañez

CHEGUEI A ESTOCOLMO NO DIA 28 DE AGOSTO DE 1981.
Começava o frio Outono e a luz do dia ia-se retirando até se apagar quase por completo, como um prelúdio ao duro Inverno escandinavo. Tudo era novo, começava uma nova vida numa cultura totalmente desconhecida para os meus sentidos.

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O ELO MAIS FRACO

Luis Serpa

NÃO TENHO COM O MAR uma daquelas relações mágicas, misteriosas, esotéricas, melosas, grandiloquentes, enjoativas de tão «profundas». A uma repórter do (creio) Paris Match que lhe perguntou o que sentia quando deixava de ver terra, Tabarly respondeu «Quando deixo de ver terra? Não sinto nada») . O mar é parte de mim e eu dele, como o meu nariz, o meu braço direito ou este cabelo, que insiste em recuar.

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MEDITERRÂNEO, ONDE AS FRONTEIRAS SE ENCONTRAM

Fausta Cardoso Pereira

SOMAYA, 16 ANOS, AFEGÃ. Numa tarde quente de Junho, guia-me por entre olivais, indicando-me o caminho de terra batida por onde sigo com um carro alugado que espero devolver sem um arranhão. Manda-me parar num local alto para que eu possa ver bem o mar Mediterrâneo, o mar que aponta com o dedo indicador, aquele mar que dois anos antes atravessou com a família para chegar ao campo de Moria, em Lesbos, onde nos encontramos.